9.06.2013

Ensaio sobre as relações 1 - Andrezza

Nossa aventura em Cordisburgo foi uma de muitas, culturalmente abundante, tem é causo para pauta: foto na placa, pinturas rupestres, aulas de história direto da fonte, regadas à água ardente; sensibilidade na escolha dos lugares para montar acampamento, e um tipo de cuidado que sempre existiu ali, até um desentendimento, onde antes não havia centelha de discordância. Solucionou-se fácil e fez amadurecer. Fez também, querer não haver nenhuma faceta de desavença, nem de desventuras ou ideais. O reconhecimento do sofrimento foi apenas a afirmação de um dos fatos da vida, pois normalmente o que impera entre nós é a alegria, mesmo quando inebriadas, derrubando o chuveiro em comemorações natalinas. Na vida, nossos problemas são inerentes, é a forma como somos resilientes ao lidar com tudo que nos cerca, e a maneira positiva com a qual encaramos a jornada, que nos fazem aprender cada vez mais e amadurecer, pelo menos é o que funciona para mim.
Sempre existiu muito amor e respeito entre nós e mesmo sendo sua primeira paixão, tem coisa que preciso aprender, seja como for. Aprendi até a gostar de Roupa Nova e Titãs. E foi você também que me apresentou aos Beatles, além de ter me abençoado com algum senso de moda, afinal, eu sempre fui meio jeca e atrapalhada. Foi com meu estilo bebê bolão da felicidade, fazendo bichinho, que conquistei o melhor espaço da sua cama, principalmente quando enferma, com aquelas maças avermelhadas e os olhinhos brilhantes em busca do seu aconchego.
Nosso laço é muito maior do que qualquer traço sanguíneo, é um murmúrio sem som, onde a gente se lembra do que nunca foi de verdade, fraternas. Acreditamos em ligações de energia muito antigas, e vamos construindo e desconstruindo nossa relação, mas acima de tudo, querendo o bem uma da outra, onde quer que estejamos. Emanando boas vibrações e lembrando com frequência; mas a vida é como bicho carpinteiro, mexe e remexe, embaralha e mistura tudo. Cria, inventa e muda. Daí descarrila entristecendo e deixando um vazio tão grande. Acho que é a tal da saudade; saudade de um tempo que já não é, um sentimento que percorre cada canto do corpo, como o vento seco, prefixo das monções que fazem os olhos marejados transbordarem de emoção e minerais.
Cresci admirando suas escolhas, os três ases da rubrica me encantam e sua classe e ousadia de colocar a exuberância para jogo, me enchem de orgulho. A maternidade te faz tão bem, que até na direção você se tornou muito sabida, uma conquista sem tamanho, para alguém que achou que nunca fosse dirigir. Eu fico feliz, de ter alguma participação na sua vida, mesmo estando tão longe. No entanto, meu desejo é que pudesse fazê-lo em muitos mais momentos, estar perto com mais frequência e participar mais ativamente, pois mesmo tendo as bochechas apertadas nos tempos de berço, sempre fui cuidada com muito capricho e forma: filha, irmã, amiga. E no final das contas, existem mesmo muitas facetas na nossa relação. Vivemos grudadas por muitos anos (eu sinto muita falta desses), esticamos e amadurecemos, nos tornamos mulheres admiráveis, principalmente porque buscamos o bem e temos muito mais momentos de felicidade do que tristeza. Além do mais, em muitas situações colocamos a felicidade e conforto dos que estão ao nosso redor em primeiro plano. Fui mascote da sua turma de amigos, soube do beija-flor em primeira mão, e serestei muito em Conservatória. Conheci muitos outros lugares através dos seus olhos, como a maravilhosa Ilha Grande ou a terra do lago Igapó, tendo a possibilidade de admirar com os meus próprios e absorver todo e qualquer conhecimento. Fiz trilha de mobilete, pilotei CB450, para o desespero do meu pai; e mergulhei de barriga no rio, pois nunca se pode pular de cabeça onde não se vê o fundo. Andei a cavalo e sempre tive muita sorte nos jogos. Sorte também foi você ter me salvado da faca atirada, na loucura que foi nossa infância na casa grande, as horas que passamos subindo nos portais e fugindo de Diadorim. No começo da sua juventude, seu primeiro salário foi presente meu, a prancha dos meus sonhos, Mach 7.7, a mais valorizada no meio naquele momento. Nunca houve poupança, sempre distribuístes amor e podendo pagar, foi só mais uma maneira de demonstrar. Tem horas antigas que ficam muito mais com a gente do que outras, de recente data.
Quando a terra da garoa criou uma dificuldade um pouco maior de estarmos juntas, não houve chororô, a distância sempre foi um detalhe pequeno, e lá fora eu conhecer Sampa, sempre segurando sua mão. Coisa que sempre me lembro fazer, principalmente nos tempos das montanhas russas em viagens à Disney, que sempre tiveram um sabor especial sentada ao seu lado, a minha favorita era o trenzinho da montanha.
Sem preparo de avisar, sua vida já não era mais igual e além de si, existia uma ninfa dos bosques, de cachos dourados, que adorava brincar de monstro e tirar sonecas ao meu lado. Nasceu ali uma ligação maior do que o batismo celestial, passei a ser outra também, perdi a alcunha e virei dinda, e nas horinhas de descuido a felicidade chegava, com ou sem alarde. Até a notícia de abrir o serzinho para tirar uma laranja de dentro. Foram dias de pavor, impotência e muita reza. Anos de recuperação e orgulho por uma moça tortinha, de bem e que devora livros. Vivendo nesse descuido prosseguido, foi no mesmo dia do meu aniversário que recebi um outro presente divino, e por esse eu viro criança a cada encontro, afinal não é a toa que mais uma vez perdi o epíteto, dessa virei Gô e acho que esse veio para ficar.
As quartas sem lei em dias que o calor bradava, libertavam a natureza da gente sem nenhuma certeza absoluta, pois de verdade mesmo, somos moças desconfiadas e curiosas, rascunhos que estão constantemente precisando de escrevinhadura, pois o saber vem de mansinho, trilhando a vida de quem trabalha duro, de corpo e alma, alongando-se pelo caminho. Nós, ao longo dos anos, fomos trocando experiências, aprendendo e compartilhando, em momentos atingindo apenas a superfície vivaz e clara, em outros remexendo fundo, ebulindo emoções, transbordando alegrias e tornando momentos simples em memórias singularmente extraordinárias; como no começo da juventude em uma viagem à Maria Bonita, quando um cavalo me assustou com sua exuberância, ou quando fomos ao Sana acampar e sempre nos natais em família.

A sabença aprendida nas experiências vida não fora suficiente, e sedenta, você se institucionalizou em uma das melhores da cidade, mas antes deixou uma oportunidade para eu também crescer no mesmo meio. Trilhar seus passos não foi tarefa fácil, mas fui descobrindo, com sua ajuda, maneiras de amenizar os trancos e barrancos, e assim tentar aprender com os diferentes processos e solucionar situações com sensibilidade e eficácia. Minha alma se transforma a cada experiência e apesar das minhas fragilidades, sigo. Sua influência continua a calibrar minhas loucuras e ajuda a desenvolver minhas limitações, não sei ao certo quando foi que descobri que viver nada mais é do que reinventar-se o tempo todo, mas sei bem que o trabalho diário é árduo e interminável. Faço parte da alcatéia que debanda para o impossível, e mesmo sabendo que a maioria dos sonhos não se torna realidade, sigo. Na chance de conseguir realizar boas proezas, e tentativas de lidar com todas as situações de forma mais generosa e pacífica. Somos algozes do nosso próprio destino e cortamos nossa carne com foice, mesmo por motivos frívolos. A efêmera calmaria nesse mar de inquietações me entorpecem o cerne e inebriam os olhos, quero ir além. Além de mim, além do tempo que temos, além do amor incondicional que me liga a ti, além da fraternidade, da amizade, da distância, da saudade. Amo-te.