
9.29.2013
9.21.2013
Encontro
“O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar-se a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece o seu nome.”
- de uma carta de Hélio Pellegrino, (in O Encontro Marcado, de Fernando Sabino, editora Record, 79ª edição, 2005, SP/RJ).
- de uma carta de Hélio Pellegrino, (in O Encontro Marcado, de Fernando Sabino, editora Record, 79ª edição, 2005, SP/RJ).
9.15.2013
Ensaio sobre as relações 2 - Fernanda Haje
A alcunha de fraternas normalmente se dá nas
ligações sanguíneas, mas nossas ligações covalentes provaram ao longo dos anos,
que identificamos muitos mais pares do que qualquer característica genética. Tanto
que nossa amizade foi motivo de tormento ao brio daquele de mesmo cognome, achávamos
aquela suposição curiosamente engraçada, pois sabíamos, mesmo silenciosamente,
que nossa relação sempre esteve fadada a irmandade da tradição fraternal, se
unindo para colecionar gotas de alegria, camaradagem, contos e bebedeiras. Talvez,
pelo simples fato de termos tido conexão instantânea e sermos amigas de
infância, mesmo que a gente tenha se conhecido com vinte e poucos anos.
O tempo que vivemos é um momento difícil para
os que ousam sonhar, mas quando chega a hora, é preciso saltar sem hesitar e
buscar os meios para atingir a felicidade. Ela chega sorrateira e simples, como
no sorriso inocente dos seus rebentos, ou no café da manhã reforçado, tão cheio
de gordice, que chegava a assustar a Angel. A verdade é que naquele tempo
podíamos confiar no nosso metabolismo e foi delicioso saborear nossa fase de
glutonas com toda a pompa dionisíaca. Que falta faz esse tempo de tranquilidade
com a silhueta, quando a preocupação com as calorias não fazia parte do nosso
cotidiano.
Foi no início do novo milênio que nossas vidas
se cruzaram. De pronto, nossa faceta suburbana nos colocou mais perto
geograficamente, daí o trem da alegria foi pedindo passagem e colecionando momentos
singulares e inesquecíveis; como as tardes de diversão garantida, a comilança
abundante, os esmaltes extravagantes, sua necessidade constante de estar mais
próxima à Iemanjá e banhar-se nas águas do mar, também nos renderam tardes
leves e divertidas, muitas vezes, regadas a suco de cevada e riso solto. Não
ficam atrás também nossas aventuras automobilísticas, minhas altercações matinais
com minha progenitora, a ira do taxista também ficará para sempre na memória.
Contudo, o onipresente era mesmo muita cantoria, especialmente quando ouvíamos
You Oughta Know ou Try a little tenderness. Nós sempre fizemos questão de
utilizar toda a nossa potência vocal, artística e sem noção. Diversão pura, simples
e garantida. Não podemos esquecer também, da minha incrível capacidade de ser
planta e o fato de sempre ter me identificado com seu lado ‘João Grandão’ de
ser.
Nosso cotidiano trabalhando lado a lado foi célere
e mesmo falando o idioma da rainha de forma a dar orgulho na mamãe, chegar à
terra de São Patrício foi um choque cultural e meteorológico. Ainda assim, não
esmorecestes e fora até a ilha celta me visitar durante a comemoração do meu
aniversário, e mais uma vez criarmos memórias incríveis, dessa vez, com os
murais sectários como cenário. Os minutos que passamos juntas são sempre
nobres, conseguimos de forma singular ser o melhor de nós uma para outra, não
que sempre fora assim ou que tenhamos conquistado isso fácil, pois mesmo que
durante a história da nossa amizade não existam momentos de peleja, existem
momentos de dissonância. Durante a minha catarse pessoal, aprendemos que o
silêncio pode falar quando as palavras falham. Embrenhei-me no casulo, e mesmo
afastando a tudo e a todos, você se manteve ali, a espreita de uma nova
possibilidade de troca. Lealdade em riste, e logo que espiei a superfície, lá
te vi, de sorrisão no rosto e braços abertos. Acho que eu seria uma pessoa
muito mais triste, se não tivesse você ao meu lado nessa batalha constante que
é a vida. Minha amiga de fé, irmã, camarada, o que seria de mim se tivesse te
perdido? Às vezes, me sinto culpada por estar tão afastada, mas com o amadurecimento,
aprendi também que emoções dessa natureza não me trazem nenhum sentimento
positivo, só frustração. Preferi concentrar nas coisas boas e tentar sempre
potencializá-las. Sei das minhas limitações, mas sei também que posso ser cada
vez melhor.
Tivemos a oportunidade de conhecer variados
sítios e compartilhar experiências únicas, localidades aqui e acolá, danças
típicas ou ensaiadas, de Mauá até a Irlanda, com escala na Big Apple. No
retorno, praiana em cabo frio e descanso em Itaboraí. Até um castelo no povoado
de Trim visitamos, Búzios também entra na lista e a última vez que tive a oportunidade
de ver as torres gêmeas de pé, foi na sua companhia. Aquela foi mesmo uma
viagem intensa, aproveitamos bastante e nos divertimos como sempre, a valer. E
mesmo com cacófato, não pode deixar de ser mencionado, o quiche mais chique que
comi na minha existência. Aquele ombro amigo da ida se fez mesmo necessário,
pois tardou chegar o descanso físico desse dia de alegrias, porque realmente só
com muita energia para fechar com chave de ouro. Eu sei, eu sempre fui muito
animada, como diz você: um trio elétrico ambulante. Essa perpétua urgência de
viver, vai ver que foi assim que destruí seu buquê.
Temos muitos causos para prosa, mas um dos meus
favoritos é o da Casa da Matriz, a folia e a nossa parcela sem noção estavam no
cocuruto: nossa série ritmada de improvisos e passos, o ‘problema’ técnico com
a porta, o cochilo na fila do Bob’s, as batatas nadando. Sempre uma maratona de
júbilo. Na última vez que estivemos juntas, eu me senti tão bem cuidada e amada,
foi um transbordamento de alegrias e orgulho conhecer sua faceta mãe e seu
primogênito, mas é difícil saber que ainda não sou uma tia no coração do seu
rebento. No meu, sou desde antes deles existirem e tenho a certeza que quando
nos encontrarmos consigo meu posto com condecorações e honrarias. Entristece-me,
no entanto, perder tantas fases dessa evolução. A tecnologia ameniza, mas não
existe nada como a presença, o calor humano e uma sessão de cosquinha da tia
maluquinha, já diria Belinha; e a verossimilhança é verdadeira.
Nunca tivemos tendência ao consumismo e nosso
senso de moda é básico, mas isso acho que é mais por sermos desprovidas da
abundância capitalista. Com você aprendi a curtir os sapatos de boneca retrô,
as orquídeas e amabilidade manente. E esteja certa, que eu não me esqueci que
te devo um jogo de lençol, depois que meus amigos franceses não tomaram banho, mesmo
após passar a manhã inteira na praia (entrando na água várias vezes), almoço no
peixe, corcovado, lagoa e caipirinha. Oinc oinc!
Nossa amizade é de muita cortesia, o que não
impede que sejamos brutalmente sinceras com frequência. Não há cobranças, mas
sim pedidos e compreensão. Sei que não precisamos confessar uma para outra, que
existe muito mais sofrimento dentro nós do que a superfície transluz, mas nem
deprimidas podemos ficar. No entanto, não carece aburrinhar, pois só mesmo nos
instantes de incúria é que o fenômeno episódico do contentamento chega. Sentir
que genuinamente o que queremos uma para outra são coisas boas e felizes, me
traz leveza e a confiança de que existe mais gente de bem por esse mundo afora.
Ter uma confidente e poder expor minhas fraquezas, de alguma forma de dá mais
ternura e segurança. Eu tenho capa dura, mas tenho muito medo. Medo de não ser
tudo o que você pensa de mim. Medo de que a distância física e a saudade
estejam fazendo motim e tomem um tempo muito grande do restante dos nossos dias
nesse plano, pois a realidade é que mesmo clichê, nem tempo ou distância podem
nos separar.
Eu sou grata, por ter ao meu lado nesse campo
de batalha que chamamos de vida, uma guerreira xamã, pois para cruzarmos essa
jornada só com magia mesmo, afinal, todas as vezes que penso em você, suas boas
vibrações chegam a mim; me abraçam, acalmam, desafiam e me confortam. Peço
apenas agora então, que abra seu caldeirão e crie uma poção, cheia de ação. A
infusão deverá apenas adicionar um ingrediente à nossa relação: presença. Eu
sinto falta dos dias que passamos juntas. Sinto falta das nossas conversas.
Sinto falta do nosso riso. Sinto falta da sua irmandade. Sinto falta de você.
Amo-te.
9.06.2013
Ensaio sobre as relações 1 - Andrezza
Nossa aventura em Cordisburgo foi uma de
muitas, culturalmente abundante, tem é causo para pauta: foto na placa,
pinturas rupestres, aulas de história direto da fonte, regadas à água ardente;
sensibilidade na escolha dos lugares para montar acampamento, e um tipo de
cuidado que sempre existiu ali, até um desentendimento, onde antes não havia
centelha de discordância. Solucionou-se fácil e fez amadurecer. Fez também, querer
não haver nenhuma faceta de desavença, nem de desventuras ou ideais. O reconhecimento
do sofrimento foi apenas a afirmação de um dos fatos da vida, pois normalmente
o que impera entre nós é a alegria, mesmo quando inebriadas, derrubando o chuveiro
em comemorações natalinas. Na vida, nossos problemas são inerentes, é a forma como
somos resilientes ao lidar com tudo que nos cerca, e a maneira positiva com a qual
encaramos a jornada, que nos fazem aprender cada vez mais e amadurecer, pelo
menos é o que funciona para mim.
Sempre existiu muito amor e respeito entre nós e
mesmo sendo sua primeira paixão, tem coisa que preciso aprender, seja como for.
Aprendi até a gostar de Roupa Nova e Titãs. E foi você também que me apresentou
aos Beatles, além de ter me abençoado com algum senso de moda, afinal, eu
sempre fui meio jeca e atrapalhada. Foi com meu estilo bebê bolão da
felicidade, fazendo bichinho, que conquistei o melhor espaço da sua cama,
principalmente quando enferma, com aquelas maças avermelhadas e os olhinhos
brilhantes em busca do seu aconchego.
Nosso laço é muito maior do que qualquer traço
sanguíneo, é um murmúrio sem som, onde a gente se lembra do que nunca foi de
verdade, fraternas. Acreditamos em ligações de energia muito antigas, e vamos
construindo e desconstruindo nossa relação, mas acima de tudo, querendo o bem
uma da outra, onde quer que estejamos. Emanando boas vibrações e lembrando com frequência;
mas a vida é como bicho carpinteiro, mexe e remexe, embaralha e mistura tudo.
Cria, inventa e muda. Daí descarrila entristecendo e deixando um vazio tão
grande. Acho que é a tal da saudade; saudade de um tempo que já não é, um
sentimento que percorre cada canto do corpo, como o vento seco, prefixo das
monções que fazem os olhos marejados transbordarem de emoção e minerais.
Cresci admirando suas escolhas, os três ases da
rubrica me encantam e sua classe e ousadia de colocar a exuberância para jogo,
me enchem de orgulho. A maternidade te faz tão bem, que até na direção você se
tornou muito sabida, uma conquista sem tamanho, para alguém que achou que nunca
fosse dirigir. Eu fico feliz, de ter alguma participação na sua vida, mesmo
estando tão longe. No entanto, meu desejo é que pudesse fazê-lo em muitos mais momentos,
estar perto com mais frequência e participar mais ativamente, pois mesmo tendo
as bochechas apertadas nos tempos de berço, sempre fui cuidada com muito capricho
e forma: filha, irmã, amiga. E no final das contas, existem mesmo muitas
facetas na nossa relação. Vivemos grudadas por muitos anos (eu sinto muita
falta desses), esticamos e amadurecemos, nos tornamos mulheres admiráveis,
principalmente porque buscamos o bem e temos muito mais momentos de felicidade
do que tristeza. Além do mais, em muitas situações colocamos a felicidade e conforto
dos que estão ao nosso redor em primeiro plano. Fui mascote da sua turma de
amigos, soube do beija-flor em primeira mão, e serestei muito em Conservatória.
Conheci muitos outros lugares através dos seus olhos, como a maravilhosa Ilha
Grande ou a terra do lago Igapó, tendo a possibilidade de admirar com os meus próprios
e absorver todo e qualquer conhecimento. Fiz trilha de mobilete, pilotei CB450,
para o desespero do meu pai; e mergulhei de barriga no rio, pois nunca se pode
pular de cabeça onde não se vê o fundo. Andei a cavalo e sempre tive muita
sorte nos jogos. Sorte também foi você ter me salvado da faca atirada, na loucura
que foi nossa infância na casa grande, as horas que passamos subindo nos
portais e fugindo de Diadorim. No começo da sua juventude, seu primeiro salário
foi presente meu, a prancha dos meus sonhos, Mach 7.7, a mais valorizada no
meio naquele momento. Nunca houve poupança, sempre distribuístes amor e podendo
pagar, foi só mais uma maneira de demonstrar. Tem horas antigas que ficam muito
mais com a gente do que outras, de recente data.
Quando a terra da garoa criou uma dificuldade
um pouco maior de estarmos juntas, não houve chororô, a distância sempre foi um
detalhe pequeno, e lá fora eu conhecer Sampa, sempre segurando sua mão. Coisa
que sempre me lembro fazer, principalmente nos tempos das montanhas russas em
viagens à Disney, que sempre tiveram um sabor especial sentada ao seu lado, a
minha favorita era o trenzinho da montanha.
Sem preparo de avisar, sua vida já não era mais
igual e além de si, existia uma ninfa dos bosques, de cachos dourados, que
adorava brincar de monstro e tirar sonecas ao meu lado. Nasceu ali uma ligação
maior do que o batismo celestial, passei a ser outra também, perdi a alcunha e
virei dinda, e nas horinhas de descuido a felicidade chegava, com ou sem
alarde. Até a notícia de abrir o serzinho para tirar uma laranja de dentro.
Foram dias de pavor, impotência e muita reza. Anos de recuperação e orgulho por
uma moça tortinha, de bem e que devora livros. Vivendo nesse descuido
prosseguido, foi no mesmo dia do meu aniversário que recebi um outro presente divino,
e por esse eu viro criança a cada encontro, afinal não é a toa que mais uma vez
perdi o epíteto, dessa virei Gô e acho que esse veio para ficar.
As quartas sem lei em dias que o calor bradava,
libertavam a natureza da gente sem nenhuma certeza absoluta, pois de verdade mesmo,
somos moças desconfiadas e curiosas, rascunhos que estão constantemente precisando
de escrevinhadura, pois o saber vem de mansinho, trilhando a vida de quem
trabalha duro, de corpo e alma, alongando-se pelo caminho. Nós, ao longo dos
anos, fomos trocando experiências, aprendendo e compartilhando, em momentos
atingindo apenas a superfície vivaz e clara, em outros remexendo fundo, ebulindo
emoções, transbordando alegrias e tornando momentos simples em memórias singularmente
extraordinárias; como no começo da juventude em uma viagem à Maria Bonita,
quando um cavalo me assustou com sua exuberância, ou quando fomos ao Sana
acampar e sempre nos natais em família.
A sabença aprendida nas experiências vida não
fora suficiente, e sedenta, você se institucionalizou em uma das melhores da
cidade, mas antes deixou uma oportunidade para eu também crescer no mesmo meio.
Trilhar seus passos não foi tarefa fácil, mas fui descobrindo, com sua ajuda,
maneiras de amenizar os trancos e barrancos, e assim tentar aprender com os
diferentes processos e solucionar situações com sensibilidade e eficácia. Minha
alma se transforma a cada experiência e apesar das minhas fragilidades, sigo. Sua
influência continua a calibrar minhas loucuras e ajuda a desenvolver minhas
limitações, não sei ao certo quando foi que descobri que viver nada mais é do
que reinventar-se o tempo todo, mas sei bem que o trabalho diário é árduo e
interminável. Faço parte da alcatéia que debanda para o impossível, e mesmo
sabendo que a maioria dos sonhos não se torna realidade, sigo. Na chance de
conseguir realizar boas proezas, e tentativas de lidar com todas as situações de
forma mais generosa e pacífica. Somos algozes do nosso próprio destino e cortamos
nossa carne com foice, mesmo por motivos frívolos. A efêmera calmaria nesse mar
de inquietações me entorpecem o cerne e inebriam os olhos, quero ir além. Além
de mim, além do tempo que temos, além do amor incondicional que me liga a ti,
além da fraternidade, da amizade, da distância, da saudade. Amo-te.
Subscribe to:
Posts (Atom)