1.31.2013

Querendo falar com Deus?

O QUE DEUS NOS FALARIA, por Baruch Espinosa

Se Deus nos falasse, diria assim:
- Para de ficar rezando e batendo o peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes da vida. Eu quero que gozes, que cantes, que te divirtas e que desfrutes do que eu fiz para ti.
Para de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios, que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa. Minha casa está nas  montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Ali é onde eu vivo e expresso o meu amor por ti. 
Para de me culpar da tua vida miserável: eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo 
mau. O sexo é um presente que eu te dei e com o qual podes expressar
teu amor, teu êxtase, tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.
Para de ficar lendo supostas escrituras sagradas, que nada têm a ver comigo. Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho, não me encontrarás em nenhum livro.
Confia em mim e deixa de me pedir. Queres me dizer como fazer o meu trabalho?
Para de ter tanto medo de mim! Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.
Para de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se eu te fiz, fui eu que te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio. Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti? Como posso te castigar por seres como és se fui eu quem te criou?
Crês que eu poderia ter um lugar para queimar os meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo de Deus faria isso?
Esquece qualquer tipo de mandamento, de lei; isso são artimanhas para te manipular, para te controlar, e que só geram culpa em ti. Respeita teu próximo e não lhe faças o que não queiras para ti.
A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.
Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é a única que há aqui e agora, e a única de que precisas.
Eu te fiz absolutamente livre. Não há prêmios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registro. Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
Não importa te dizer se há algo depois desta vida; mas te dou um conselho: vive como se não houvesse. Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir.
Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei.E, se houver, tem certeza de que eu não vou te perguntar se foste comportado ou não. O que vou te  perguntar é se gostaste, se te divertiste. Do que mais gostaste? O que aprendeste?
Para de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não preciso de que acredites em mim. Quero é que me sintas em ti. Me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar.
Para de me louvar! Que tipo de Deus ególatra acreditas que eu seja? Me aborrece que me louvem; me cansa que me agradeçam.
Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo. Expressa a tua alegria; esse é o jeito de me louvar.
Para de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas. Para que precisas demais milagres? Para que tantas explicações?
Não me procures fora; não me acharás! Procura-me dentro. Aí é que estou; batendo em ti.



Baruch Espinosa - Filósofo-pensador [1632-1677]
As palavras acima são do filósofo e pensador Baruch Espinoza.Nasceu em 1632, em Amsterdã, e faleceu em Haia, em 21 de fevereiro de1677.


Foi um dos grandes racionalistas do século XVII, dentro da chamadaFilosofia Moderna, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz.Baruch Espinosa era de família judaica portuguesa e é considerado o fundador docriticismo bíblico moderno. Essas suas palavras foram ditas em plenoSéculo XVII, mas continuam atuais.

1.09.2013

Despedida



"E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.
Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.
E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?
Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil. 
Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus. 
A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo."
- Rubem Braga, do livro "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá – Rio de Janeiro, 1967, pág. 83.